tag:blogger.com,1999:blog-52509877086112219792024-02-20T10:59:19.199-08:00CristãoReformadoAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/13587048774048858439noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-5250987708611221979.post-6103710471519216072016-02-18T03:35:00.001-08:002016-02-18T03:35:43.908-08:00Electus: Evangelismo Moderno: Tem algo errado nesta receita<a href="http://blogelectus.blogspot.com.br/2016/02/evangelismo-moderno-tem-algo-errado.html?m=1#.VsRqGvkrKM8">Electus: Evangelismo Moderno: Tem algo errado nesta receita</a>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/13587048774048858439noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5250987708611221979.post-90181035531349839042016-01-07T09:41:00.001-08:002016-01-07T09:41:55.961-08:00<b><span style="font-size: large;"> Uma Breve Introdução ao </span></b><br />
<b><span style="font-size: large;"> Estudo do Pacto</span></b><br />
<br />
<br />
Mauro F. Meister<br />
<br />
I. Histórico<br />
A Confissão de Fé de Westminster, de meados do século XVII, trata da doutrina do pacto<br />
<br />
no seu capítulo VII:<br />
<br />
DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM<br />
<br />
I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as<br />
criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca<br />
poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por<br />
alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou-lhe<br />
expressar por meio de um pacto.<br />
II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse<br />
pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a<br />
condição de perfeita e pessoal obediência.<br />
III. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por<br />
meio deste pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto,<br />
geralmente chamado o pacto da graça; neste pacto da graça ele livremente<br />
oferece aos pecadores a vida e a salvação através de Jesus Cristo, exigindo<br />
deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a<br />
todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los<br />
a crer.(3)<br />
O texto fala de dois pactos feitos com o ser humano. O primeiro foi feito com Adão antes<br />
da queda e é chamado de pacto de obras. No segundo, feito depois da queda, a salvação<br />
e a vida são oferecidas a "todos os que estão ordenados para a vida." Este é chamado de<br />
pacto da graça. Esses dois pactos estão "centralizados em torno do primeiro Adão e do<br />
segundo Adão, que é Cristo."(4) A teologia esposada na CFW é conhecida como teologia<br />
pactual ("covenant theology"), um sistema teológico em que o conceito de pacto serve<br />
como estrutura básica.(5) Segundo Paul Helm, "de acordo com a teologia pactual, todas<br />
as relações de Deus com o homem são pactuais, de caráter federal."(6) O termo federal<br />
vem do latim foedus, que significa pacto. Isto fez com que o sistema de exposição da<br />
teologia da CFW fosse chamado de teologia federal. Para delimitarmos o assunto do<br />
nosso artigo, em ambas as suas partes, a histórica e a bíblica, nos concentraremos no<br />
primeiro pacto, chamado pela CFW de pacto de obras. Em outro artigo estudaremos o<br />
segundo pacto, o chamado pacto da graça.<br />
A história da doutrina do pacto de obras é longa e controvertida. O reconhecimento de<br />
um pacto antes da queda já aparece nos escritos de Agostinho, o bispo de Hipona, no<br />
quarto século: "O primeiro pacto, que foi feito com o primeiro homem, é este: No dia em<br />
que dela comerdes, certamente morrerás. " (7) Agostinho, discutindo a questão dos<br />
pactos bíblicos, afirma que "muitas coisas são chamadas de pactos de Deus além<br />
daqueles dois grandes, o novo e o velho... " (8) Porém, ainda que reconhecida desde<br />
cedo por teólogos como Agostinho, a doutrina do pacto de obras só foi desenvolvida bem<br />
mais tarde, pelos reformadores do século XVI. A nomenclatura pacto de obras, adotada<br />
pela CFW, não foi consensualmente aceita pelos reformadores e primeiros reformados.<br />
Uma nomenclatura diversa surgiu logo no princípio (por ex., pacto natural, pacto da<br />
criação, pacto edênico). Mais adiante, na elaboração do conceito bíblico de pacto, a<br />
questão do nome será considerada.<br />
Assim como a questão do nome da doutrina foi controvertida no princípio, a sua origem<br />
como sistema teológico é motivo de controvérsia nos dias atuais. Já mencionamos<br />
anteriormente que o sistema teológico que envolve a teologia do pacto de obras é o<br />
sistema que ficou conhecido como teologia federal. Alguns historiadores apontam que o<br />
desenvolvimento da teologia federal propriamente dita é do século XVII, sendo portanto<br />
posterior a Calvino. Alguns vão mais longe e chegam a afirmar que a teologia de Calvino<br />
contradiz a idéia de um pacto de obras.(9) É preciso ser cauteloso quanto a esse tipo de<br />
conclusão. Isso reflete uma leitura equivocada da obra de Calvino e do desenvolvimento<br />
posterior da sua teologia feito pelos reformados.<br />
Vejamos como se desenvolveu essa leitura. Quatro nomes, entre muitos, são mais<br />
diretamente associados com a teologia federal: Henrique Bullinger (1504-1575), Zacarias<br />
Ursino (1534–1583), Gaspar Oleviano (1536-1587) e João Cocceius (1603-1669). O<br />
primeiro deles publicou sua obra De testamento seu foedere Dei unico et aeterno (Uma<br />
Breve Exposição do Único e Eterno Testamento ou Pacto de Deus)(10) em 1534, dois<br />
anos antes da primeira publicação da obra de Calvino, as Institutas da Religião Cristã<br />
(1536). A exposição de Bullinger gira em torno do pacto como o "tema de toda a<br />
Escritura".(11) Segundo os historiadores McCoy e Baker, a obra do reformador suíço é o<br />
"primeiro trabalho que organiza o entendimento de Deus, da criação, da humanidade, da<br />
história humana e da sociedade em torno do pacto".(12) Ainda segundo McCoy e Baker,<br />
"Bullinger concluiu seu tratado com uma seção em que argúi que o cristianismo começou<br />
com Adão quando a aliança foi primeiramente feita com os seres humanos."(13)<br />
Portanto, nessa perspectiva, Bullinger trabalha sua teologia em torno de um pacto deobras, e sua teologia deve ser chamada de pactual. Baseados nessa observação os<br />
autores supra mencionados entendem que Bullinger deve ser tratado como o "pai" da<br />
teologia pactual. Observando, no entanto, a obra de Bullinger, é difícil de sustentar a<br />
afirmação de McCoy e Baker com respeito a um pacto de obras nesse autor.(14) McCoy e<br />
Baker seguem uma linha de historiadores que nega o pensamento da CFW como sendo<br />
um desenvolvimento da teologia de Calvino. Chegam a afirmar que designar a CFW como<br />
calvinista é um erro histórico, visto que a Teologia Federal tem suas raízes em Bullinger e<br />
não em Calvino.(15) Karlberg, avaliando as conclusões de McCoy e Baker, afirma:<br />
A argumentação de que existiam duas escolas distintas dentro do<br />
Protestantismo Reformado primitivo, conforme vissem o pacto de Deus<br />
como bilateral ou unilateral, é grandemente exagerada. Desta forma, não<br />
podemos concordar com nossos autores [McCoy e Baker] quando afirmam<br />
que "as diferenças entre Bullinger e Calvino formam a base para duas<br />
linhas distintas, embora relacionadas, dentro da tradição reformada —<br />
federalismo e calvinismo." Essa leitura incorreta os leva a concluir:<br />
"Tornou-se comum entre os historiadores reduzir o pensamento reformado<br />
dos séculos XVI e XVII ao calvinismo. Este reducionismo até mesmo levou<br />
muitos a se referirem à Confissão de Fé de Westminster como uma<br />
declaração teológica calvinista. Ela é uma confissão Reformada, porém,<br />
muito mais um produto da tradição federal do que do elemento calvinista"<br />
(página 24).(16)<br />
Outros teólogos (e historiadores) modernos tentam provar que essa linha de pensamento<br />
de McCoy e Baker é uma leitura correta. Alguns chegam ao extremo de dizer que Calvino<br />
desconhecia o conceito de pacto e, portanto, a teologia da CFW não pode estar associada<br />
ao nome do reformador. Entre eles encontramos D. Weir,(17) T. F. Torrance e R. T.<br />
Kendall, ainda que cada um deles defenda leituras diferentes sobre o que é a teologia do<br />
período pós-reforma.(18) No entanto, esta é uma corrente minoritária. O fato é que o que<br />
veio a ser conhecido como teologia calvinista não tem base somente nos ensinos de<br />
Calvino, mas também no ensino de outros teólogos que foram influenciados por Calvino e<br />
desenvolveram essa teologia. Percebe-se, por exemplo, que a teologia do pacto de obras<br />
é um ensino presente nos escritos de João Calvino, ainda que de forma incipiente. Nas<br />
Institutas da Religião Cristã, Calvino afirma, com relação a Adão e Noé e os sinais dos<br />
sacramentos (a árvore da vida e o arco-íris), que estes "tinham marca insculpida pela<br />
Palavra de Deus para que fossem provas e selos de seus concertos".(19) Calvino,<br />
portanto, considera a presença de um pacto antes da queda. As teologias de Ursino,<br />
Oleviano, Cocceius e Bullinger não se encontram em oposição ao pensamento de Calvino<br />
e da CFW. Ainda que usando uma terminologia variada (foedus naturale = pacto natural,<br />
foedus creationis = pacto da criação), a teologia expressa por esses teólogos tem muitos<br />
pontos de contato e tem sido legitimamente chamada de calvinismo, exatamente por<br />
terem sido influenciados por Calvino.(20)<br />
Um exemplo dessas tentativas de provar uma discontinuidade entre Calvino e teólogos<br />
posteriores ocorreu na literatura reformada em português. Há alguns anos atrás (1990)<br />
foi publicado no Brasil um ensaio de R. T. Kendall, o sucessor de D. M. Lloyd-Jones na<br />
Capela de Westminster, em Londres, no qual o autor quis demonstrar que os reformados<br />
da Inglaterra, especialmente Beza (que não era inglês mas exerceu sua influência<br />
naquele país) e Perkins, modificaram a teologia de Calvino profundamente e levaram essa<br />
teologia modificada a ser sancionada pela Assembléia de Westminster.(21) A acusação<br />
de Kendall, em última análise, é à CFW como uma visão distorcida da teologia de Calvino,<br />
e não como um desenvolvimento da mesma. No entanto, a crítica de Kendall fica totalmente prejudicada quando, no mesmo artigo, o autor demonstra um conhecimento<br />
questionável da teologia de Calvino. Ao discutir a questão da segurança da salvação e a<br />
diferença dos pontos de vista de Calvino e Beza, Kendall afirma:<br />
Ele [Calvino] apontava Cristo às pessoas pela mesma razão que Beza não<br />
podia fazê-lo: a questão da "extensão" da expiação. Calvino lhes indicava<br />
diretamente a Cristo, porque Cristo morreu indiscriminadamente por todas<br />
as pessoas. Beza não podia indicar Cristo diretamente às pessoas porque<br />
(segundo ele) Cristo não morrera por todos; Cristo morreu apenas para os<br />
eleitos.(22)<br />
Kendall tem uma interpretação singular, quase solitária, da obra de Calvino, ao afirmar<br />
que Calvino cria numa "expiação universal". Ainda que Calvino não tenha, de fato, usado<br />
a expressão "expiação limitada," há evidências mais do que suficientes nos seus escritos<br />
de que ele não advogava uma "expiação sem limites." O próprio editor de Calvino e Sua<br />
Influência no Mundo Ocidental, W. Stanford Reid, onde o artigo de Kendall aparece, faz<br />
críticas severas ao trabalho original do mesmo (Calvin and English Calvinism to<br />
1649),(23) concluindo que o argumento do autor no livro só pode ser considerado "não<br />
provado."(24)<br />
Outro aspecto importante a ser observado no desenvolvimento da doutrina do pacto de<br />
obras é que nos seus primeiros estágios ela foi trabalhada principalmente de uma<br />
perspectiva sistemática. Isso porque a teologia sistemática e a teologia bíblica não eram<br />
dois campos de teologia distintos no período da reforma e imediatamente após a reforma.<br />
Isso gerou uma outra acusação. Weir chega a dizer que a "interpretação federal" parece<br />
derivar-se do pensamento sistemático, dogmático, e não do estudo exegético da<br />
Escritura."(25) No entanto, a descrição sistemática da teologia era uma característica<br />
essencial daquele período da história. A necessidade de argumentação lógica era<br />
fundamental naquele momento de profundas mudanças, o que não implica em falta de<br />
exegese bíblica. Os historiadores apontam para o discurso de J. P. Gabler(26) em 1787,<br />
como professor de teologia na universidade de Altdorf, como o primeiro a estabelecer a<br />
real diferença entre a teologia sistemática e a teologia bíblica. Para Gabler, a necessidade<br />
da distinção entre esses dois campos de estudo está no fato de não se poder mais<br />
distinguir na teologia sistemática entre o divino (revelação) e o humano (filosofia e<br />
especulação). Eram tantas as "teologias sistemáticas" de sua época, vindas de tantas<br />
origens diferentes, que na sua concepção era impossível separar a teologia com fonte na<br />
revelação e o pensamento filosófico dos diversos teólogos. A sua proposta é de uma volta<br />
aos escritos bíblicos e uma reformulação da sistemática:<br />
Entretanto, tudo converge nisto, que por um lado nos apeguemos a um<br />
método justo para cautelosamente dar forma às nossas interpretações dos<br />
autores sagrados; por outro lado, que corretamente estabeleçamos o uso<br />
na dogmática destas interpretações e dos objetivos próprios da<br />
dogmática.(27)<br />
O discurso de Gabler marca uma nova fase nos estudos da teologia, que se volta para o<br />
estudo da Escritura, porém de uma forma crítica. Os séculos XVIII e XIX, portanto, não<br />
foram muito frutíferos quanto ao desenvolvimento da teologia do pacto de obras. No<br />
entanto, ela permaneceu como peça fundamental entre os reformados até o nosso século.<br />
Ultimamente surgiu um novo interesse nos meios acadêmicos com relação a essa<br />
teologia. Na área da sistemática, o teólogo neo-ortodoxo Karl Barth deu à teologia do<br />
pacto um papel importante.(28) Na área da teologia bíblica foi o teólogo liberal WalterEichrodt, em seu Old Testament Theology,(29) quem despertou novas controvérsias<br />
quando sugeriu que o tema do "pacto" servia como um tema central unificador (Mitte)<br />
para a teologia do Antigo Testamento, levantando a reação de outro teólogo do Antigo<br />
Testamento, G. Von Rad. No meio acadêmico reformado também houve um<br />
despertamento quanto ao estudo da teologia do pacto. Na área sistemática, a obra de L.<br />
Berkhof baseia todo o seu entendimento da situação da raça humana no pacto das obras.<br />
Na teologia bíblica, G. Vos, em seu Biblical Theology: Old and New Testaments,(30)<br />
desperta novos interesses entre os teólogos bíblicos ortodoxos. Somam-se a esses dois<br />
expoentes da teologia, entre muitos outros, os teólogos citados na introdução deste<br />
artigo: Robertson, Van Groningen e Dumbrell.<br />
O interesse especial na obra desses três teólogos contemporâneos está na exposição que<br />
fazem do chamado pacto da criação, já mencionado anteriormente, como uma<br />
terminologia usada entre os primeiros reformados (ainda que os três não concordem em<br />
todos os pontos de sua teologia). O uso dessa terminologia, mais abrangente que a<br />
terminologia da CFW (pacto de obras), permite-nos entender alguns aspectos mais<br />
amplos da teologia pactual, como veremos em uma seção mais adiante. Ainda que essa<br />
terminologia seja proposta por teólogos bíblicos, ela em momento algum contradiz a<br />
terminologia sistemática.<br />
II. Conceito de Pacto<br />
O substantivo pacto significa, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua<br />
Portuguesa,(31) "ajuste", "convenção" ou "contrato". Estes três substantivos são<br />
também usados para definir o significado do substantivo aliança. Diferentes versões da<br />
Bíblia em português usam os substantivos pacto, aliança, acordo e concerto para traduzir<br />
o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento.(32)<br />
Para todos esses sinônimos a idéia básica que encontramos é a de união entre duas<br />
partes, um pacto ou acordo bilateral. No entanto, até mesmo a etimologia do substantivo<br />
é grandemente discutida. Basta passar os olhos por alguns dicionários de teologia ou<br />
livros que tratem especificamente do assunto para verificar que há entre os estudiosos<br />
grande discordância. As posições mais defendidas são: (1) a de que berith é derivada do<br />
assírio birtu, que significa "laço", "vínculo"; (2) a de que o substantivo tem origem na raiz<br />
de barah, "comer," que aparece poucas vezes no Antigo Testamento (2 Sm 3.35; 12.17;<br />
13.5; 13.6; 13.10; Lm 4.10), e está relacionado com a cerimônia que selava um acordo<br />
ou relacionamento entre partes; (3) a de que o substantivo está ligado à preposição bein<br />
"entre."(33) De todas estas a primeira posição é a mais aceita entre os estudiosos do<br />
Antigo Testamento.(34)<br />
Da própria dificuldade em se estabelecer a origem e significado do termo berith surgem<br />
as primeiras divisões no seio daqueles que defendem a teologia pactual. Por exemplo,<br />
exatamente o que se quer dizer quando se fala em acordo? Isto implica em que as<br />
alianças bíblicas sejam "bilaterais"? Não se pode negar que a idéia de pacto traga<br />
consigo, no seu sentido mais natural, a bilateralidade, ou seja, duas partes são<br />
envolvidas em um pacto. Vários pactos acontecem entre duas pessoas, nações ou grupos<br />
na narrativa bíblica (ver Js 9.15; 1 Sm 20.16; 2 Sm 3.12-21; 5.1-3; 1 Rs 5.12); em<br />
certos casos um pacto é feito para resolver uma disputa entre partes (Gn 21.22-32;<br />
26.26-33; 31.43-54).<br />
Centenas de vezes o substantivo aparece no contexto de um pacto entre Deus e seres<br />
humanos. Como, nesse contexto, entender a bilateralidade? Um pacto implica sempre em<br />
igualdade entre as partes? Certamente que não. A bilateralidade, no contexto do pactoentre Deus e homens, implica tão somente em que duas partes estão envolvidas, mas<br />
não que exista a igualdade entre essas partes. Teólogos têm chamado esse tipo de<br />
aliança "unilateral" de "monergista," ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus<br />
termos. Portanto, estamos falando de uma aliança que não envolve um acordo de duas<br />
partes,(35) na qual não existe negociação de direitos e obrigações. Nesse sentido a<br />
aliança divino-humana é unilateral. É um compromisso feito pela iniciativa de Deus com<br />
relação à sua criação. O ser humano é um receptor da aliança divina. Isso se torna<br />
evidente no texto de Gênesis 17.2, que é traduzido para o português como — "Farei uma<br />
aliança entre mim e ti" — onde o verbo traduzido como "fazer" tem por raiz no hebraico o<br />
verbo "dar" (nathan), que nos daria, se traduzido literalmente, uma sentença sem<br />
sentido. No entanto, a força do argumento está no fato de que a raiz do verbo traduzido<br />
por "fazer" em português envolve algo que é dado: um pacto. O texto não reflete um<br />
acordo de duas partes iguais, com os mesmos direitos.<br />
Esse tipo de pacto não é algo sem precedentes na história. Ele é ilustrado pelos pactos do<br />
antigo Oriente Próximo entre conquistadores e conquistados, reis e vassalos. Nesses<br />
casos, os conquistados, quando entravam em pacto com os conquistadores, não tinham o<br />
direito de propor qualquer coisa nos termos do pacto. Este tipo de pacto pressupõe a<br />
figura de uma parte "soberana". Um dos lados tem a vantagem do domínio e se propõe a<br />
cumprir um determinado papel; o outro, tendo também um papel a cumprir, se submete<br />
às exigências pactuais. No pacto divino-humano encontramos a relação criador-criatura,<br />
rei soberano-servo. Vários paralelos entre os pactos bíblicos e os pactos do antigo Oriente<br />
Próximo foram cuidadosamente descritos por Meredith Kline e servem como uma valiosa<br />
ajuda para entendermos os termos e significado do pacto entre Deus e a<br />
humanidade.(36) Um dos exemplos dados por Kline é a narrativa em Gênesis 15 do<br />
pacto com Abrão. Nos primeiros versículos o texto narra que Iavé aparece a Abrão e faz<br />
com ele uma aliança. Depois de colocados os termos da aliança, o texto narra nos versos<br />
13-17 o desfecho:<br />
Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e<br />
será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas<br />
também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com<br />
grandes riquezas. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em<br />
ditosa velhice. Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se<br />
encheu ainda a medida da iniqüidade dos amorreus. E sucedeu que, posto<br />
o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de<br />
fogo que passou entre aqueles pedaços.<br />
Todas as promessas são feitas por Deus a Abrão, do Rei soberano para o vassalo, do<br />
criador para a criatura. O ritual apresentado no versículo 17, em que Deus passa por<br />
entre os pedaços dos animais, é uma característica da forma como os pactos do antigo<br />
Oriente Próximo, entre soberanos e vassalos, eram selados. Teriam os autores bíblicos<br />
"tomado emprestado" o conceito antigo de pacto e aplicado à teologia? Essa é uma<br />
posição defendida por vários estudiosos. No entanto, como veremos mais adiante, penso<br />
que existam razões suficientes para se crer na idéia oposta a essa: os povos antigos, ao<br />
formularem seu modo de relacionamento social, refletiam a forma que o próprio Deus<br />
criador havia estabelecido para se relacionar com sua criatura.<br />
A diferença fundamental entre os pactos humanos e o pacto divino-humano encontra-se<br />
na motivação do soberano Criador, que se propôs a criar e sustentar a sua criação,<br />
estabelecendo assim um vínculo que, segundo a própria Escritura, só pode ser um vínculode amor.<br />
O conceito de pacto, portanto, é um conceito que deve ser entendido dentro dos vários<br />
contextos onde aparece. Várias nuanças do pacto são dadas através dos verbos que<br />
acompanham o substantivo. Portanto, quando se trata do pacto divino-humano pode-se<br />
dizer que o pacto é um vínculo/elo de amor, iniciado e administrado pelo Deus triúno com<br />
a sua criação, representada pelos nossos pais.<br />
<br />
<br />
III. Pacto e Criação<br />
<br />
O substantivo berith (pacto) não aparece senão no capítulo 6 de Gênesis, estando,<br />
portanto, ausente da narrativa da criação e da queda (Gn 1–3). Como, então, falar de um<br />
"pacto da criação" se o termo sequer aparece na narrativa? Que evidências podem ser<br />
apresentadas?<br />
Partindo-se do conceito da aliança como elo, laço, vínculo e relacionamento de amor,<br />
iniciado e administrado por Deus, verificamos que essa idéia é intrínseca na narrativa da<br />
criação. Destacamos, primeiramente, que ao criar Deus manteve um relacionamento com<br />
sua criação. Ele não só tinha o governo absoluto sobre ela, mas também mantinha tudo o<br />
que havia criado. De um dia da criação para o outro (dia um para o dia dois, dia dois para<br />
o dia três, etc.), Deus sustentava aquilo que, aparentemente, não podia ter auto-<br />
sustentação (pelo menos do ponto de vista do que chamamos de leis naturais). Assim,<br />
até que a criação estivesse completa, Deus estava sustentando de forma extraordinária a<br />
sua criação. Depois que ele terminou de fazer tudo o que havia proposto, a criação, com<br />
suas leis naturais, passou a se manter. Mesmo assim, sabemos que ele é o "sustentador<br />
de todas as coisas."<br />
Em segundo lugar, ao criar o ser humano (Gn 1.26-28), Deus o criou à sua "imagem e<br />
semelhança". Incluídas nessa imagem e semelhança estão as habilidades de comunicação<br />
e relacionamento (e suas implicações como pensar, obedecer, discernir, e fazer opções),<br />
como o texto bíblico deixa bem claro a partir do segundo capítulo de Gênesis. Essa<br />
imagem e semelhança permite que o homem criado se relacione com o Criador. Temos,<br />
portanto, presente no relato da criação, a possibilidade do desenvolvimento de<br />
relacionamentos.<br />
Em terceiro lugar, aprendemos da narrativa da criação que Deus deu responsabilidades<br />
ao ser humano (macho e fêmea). Entre elas se encontram obrigações de cuidar e<br />
desenvolver o que Deus havia colocado em suas mãos:<br />
Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden<br />
para o cultivar e o guardar... Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da<br />
terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao<br />
homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse<br />
a todos os seres viventes, esse seria o nome deles (Gn 2.15,19).<br />
Ao casal são dadas as responsabilidades de procriação, multiplicação e domínio refletidas<br />
nas bênçãos dadas a eles.<br />
Em quarto lugar, verificamos que nesse relacionamento existe a verbalização clara da<br />
parte de Deus do que seriam as bênçãos e as possíveis maldições do pacto. Bênçãos e<br />
maldições são parte integrante dos pactos entre soberanos e vassalos no antigo OrientePróximo.(37)<br />
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a<br />
terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus<br />
e sobre todo animal que rasteja pela terra (Gn 1.28). E o SENHOR Deus lhe<br />
deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da<br />
árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em<br />
que dela comeres, certamente morrerás (Gn 2.16-17).<br />
As bênçãos são dadas ao homem e expressas em forma imperativa no verso 28: sede<br />
fecundos, multiplicai-vos, enchei, sujeitai, dominai. Em todos esses exemplos<br />
percebemos que o Criador está expressando à sua criatura mandatos em três áreas de<br />
relacionamento: espiritual, social e cultural.(38)<br />
Essas características (soberania, sustento, relacionamento, responsabilidade, bênçãos e<br />
maldições) formam o conjunto de elementos do chamado pacto da criação.<br />
Outras evidências levantadas para o pacto da criação são os textos de Oséias 6.7;<br />
Jeremias 33.20, 25, e Gênesis 6.18. Sem muitos detalhes exegéticos, exponho abaixo as<br />
razões principais porque se pensa que esses textos falam de um pacto da criação. Oséias<br />
6.7 fala da transgressão de Adão contra o pacto: "Mas eles transgrediram a aliança, como<br />
Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim." Uma leitura simples e direta do texto<br />
reflete que havia um pacto entre Deus e Adão, portanto, um pacto pré-queda, que pode<br />
ser tido como o pacto da criação. Essa leitura reflete o pressuposto de que os escritores<br />
bíblicos tinham conhecimento de outros escritos bíblicos, anteriores e contemporâneos.<br />
Oséias estaria, portanto, falando do pacto da criação. Para alguns estudiosos, entretanto,<br />
isto não é admissível, considerando vários pressupostos diferentes do exposto acima. Eles<br />
adotam uma leitura diferente do texto, como a Bíblia na Linguagem de Hoje(39) "Mas na<br />
cidade de Adã o meu povo quebrou a aliança que fiz com ele e ali foi infiel a mim." De<br />
fato, existe uma cidade bíblica com esse nome (Js 3.16). No entanto, para que o texto de<br />
Oséias 6.7 seja traduzido como a Bíblia na Linguagem de Hoje sugere, é necessário que<br />
se faça uma emenda do texto hebraico, substituindo a preposição "como" por "em," sem<br />
que haja qualquer evidência da necessidade dessa troca.(40) Ainda mais, não se sabe de<br />
um pecado cometido pelo povo de Israel ao passar por aquele lugar que fosse registrado<br />
e então mencionado pelo profeta. Assim, esta proposta de leitura não acha qualquer<br />
argumento sustentável. Outra possível leitura provêm da tradução grega do Antigo<br />
Testamento, a Septuaginta (LXX), que traduz a expressão "como Adão" por "como<br />
homens."(41) Nesse caso, estaria implícito um pacto entre Deus e a humanidade.<br />
O segundo texto, de Jeremias 33.20-21, faz referência a uma aliança com o dia e aliança<br />
com a noite:<br />
Assim diz o SENHOR: Se puderdes invalidar a minha aliança com o dia e a<br />
minha aliança com a noite, de tal modo que não haja nem dia nem noite a<br />
seu tempo, poder-se-á também invalidar a minha aliança com Davi, meu<br />
servo, para que não tenha filho que reine no seu trono; como também com<br />
os levitas sacerdotes, meus ministros.<br />
Nos versos 25-26 aparece a expressão "a minha aliança com o dia e com a noite."<br />
Comentaristas apontam para duas situações às quais Jeremias pode estar se referindo<br />
nesses versos: à criação ou ao pacto com Noé, onde Deus promete manter a ordem fixa<br />
das estações, dia e noite (Gn 8.22). Robertson explica, convincentemente, que o textoparalelo de Jeremias 31.35-36 confirma a primeira opção (criação) como melhor(42)<br />
Assim diz o SENHOR, que dá o sol para a luz do dia e as leis fixas à lua e às<br />
estrelas para a luz da noite, que agita o mar e faz bramir as suas ondas;<br />
SENHOR dos Exércitos é o seu nome. Se falharem estas leis fixas diante de<br />
mim, diz o SENHOR, deixará também a descendência de Israel de ser uma<br />
nação diante de mim para sempre.<br />
Assim, Jeremias estaria, ao falar do pacto com a casa de Israel e com Davi, refletindo o<br />
fundamento do pacto de Deus com a criação. Da mesma forma que o pacto estabelecido<br />
por Deus com a criação, "a aliança com o dia e com a noite," não pode ser invalidada, o<br />
pacto com Davi tem que ser e será mantido.<br />
A tradução de Gênesis 6.18 é uma terceira evidência para se confirmar o pacto da<br />
criação.(43) O texto da versão portuguesa Revista e Atualizada diz: "Contigo, porém,<br />
estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as<br />
mulheres de teus filhos," confirmando a leitura da maioria das traduções em várias<br />
línguas. No entanto, o verbo traduzido como "estabelecerei," no hebraico pode ser<br />
traduzido como "continuar" ou "confirmar," a exemplo de Gênesis 26.3: "habita nela, e<br />
serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas terras e<br />
confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai."(44) Se traduzido dessa forma, nos<br />
casos em que o texto português fala "estabelecerei," o texto traria "confirmarei":<br />
Contigo, porém, confirmarei a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus<br />
filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos" (Gn 6.18).<br />
Eis que confirmo a minha aliança convosco, e com a vossa descendência,<br />
(10) e com todos os seres viventes que estão convosco: tanto as aves, os<br />
animais domésticos e os animais selváticos que saíram da arca como todos<br />
os animais da terra. (11) Confirmarei minha aliança convosco: não será<br />
mais destruída toda carne por águas de dilúvio, nem mais haverá dilúvio<br />
para destruir a terra (Gn 9.9-11).<br />
Dessa forma, Deus estaria confirmando ou continuando uma aliança com Noé, uma<br />
aliança anteriormente estabelecida, esta só podendo ser a aliança ou pacto da criação.<br />
Portanto, as evidências encontradas para se falar de um pacto da criação são fortes e<br />
consistentes, provando que os primeiros reformadores, que escreveram a esse respeito,<br />
tinham bases exegéticas sólidas para sua teologia. Esse pacto da criação, soberanamente<br />
administrado por Deus, engloba, numa terminologia mais abrangente, o que a CFW<br />
chama de pacto de obras.<br />
Conclusão<br />
Sendo a teologia reformada uma teologia de caráter pactual, é importante que nossos<br />
pastores e estudiosos, assim como líderes e leigos, que subscrevem as confissões<br />
reformadas, conheçam bem os fundamentos dessa teologia. Esses fundamentos bíblicos<br />
estão, de forma clara, contidos na CFW, que é uma exposição sistemática das principais<br />
doutrinas bíblicas. Voltando-nos para a teologia bíblica observamos que essas doutrinas,<br />
expostas de forma sistemática, têm fundamento bíblico e teológico. Ainda que usando<br />
uma terminologia diferente, a teologia sistemática e a teologia bíblica falam das mesmasAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/13587048774048858439noreply@blogger.com0